A palavra “adultização”, que em boa hora o influenciador Felca botou na ordem do dia, virou senha para um vasto mundo criminoso que prospera à vista de todos na internet, incentivado pela dinâmica algorítmica de redes sociais desreguladas. Esse é o xis do problema, mas quero falar aqui de uma questão mais sutil de linguagem.
Adultização –título do excelente vídeo-bomba do youtuber paranaense sobre exploração sexual de menores e substantivo não dicionarizado, criado de forma regular a partir do também recente verbo “adultizar”– é uma das invenções vocabulares a que nossa linguagem tem recorrido para dar conta de problemas novos nas velhas etapas de crescimento de uma vida humana.
Infância, adolescência, idade adulta, maturidade e velhice pareciam territórios delimitados com razoável segurança e estabilidade no século passado. As fronteiras entre eles vêm se tornando mais fluidas, por razões variadas que ainda aguardam estudos aprofundados. E as palavras, como sempre, correm atrás dos fatos.
É razoável supor que entrem nessa conta fenômenos como o esgotamento dos velhos modelos de crescimento econômico, o aumento da expectativa de vida, o narcisismo como patologia coletiva, o consumismo como religião suprema, os avanços da medicina estética e o sucesso do discurso coach picareta (com perdão da redundância) de que todo mundo pode ser o que quiser.
Seja como for, o que me parece indiscutível é que todos esses fatores se organizam sob a batuta do fenômeno mais socialmente relevante –para o bem e para o mal, mais para este que para aquele– do século 21: a rede-socialização desenfreada de tudo o que existe no mundo.
Nesse território dentro do espelho, crianças adultizadas –como aqueles tragicômicos empreendedores mirins que aparecem no vídeo do momento falando mal da escola e morrendo de rir de Aristóteles– encontram seu correspondente simétrico em adultos infantilizados, fixados em bonecos, brinquedos, histórias pueris e até chupetas.
Se vemos proliferar expressões como “os 60 são os novos 40” e modas esquisitas como a das “Sephora girls”, meninas obcecadas por produtos de beleza algumas décadas antes da hora, também cunhamos neologismos como “adultescente” (adulto + adolescente, ou seja, o adulto que reluta em crescer) e eufemismos como “melhor idade” (para substituir a outrora digna, mas hoje aparentemente inaceitável, “velhice”).
Será que estamos fadados a essa rota de colisão com nossos relógios biológicos? Sermos uma espécie que sabe que vai morrer sempre foi um problema sério, claro, o maior de todos os problemas – é nessa dor que deitam raízes tanto as religiões quanto as artes. Contudo, por que nossa relação com o tempo ficou de repente tão disfuncional?
Não é difícil encontrar na língua e na linguagem sintomas de que esse tipo de transtorno dismórfico-temporal aspira a ser a única universalidade possível num mundo em que as big techs têm mais poder do que tinha a Igreja Católica na Idade Média. Só pode ser porque dá lucro, esse deus sem metafísica.
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