Com a intenção de morrer em descanso, o violento capitão Celestino regressa à casa ancestral, onde passa a descansar suas mãos no cultivo de um jardim. Esta é a história de “A Visão das Plantas”, de Djaimilia Pereira de Almeida, é uma das leituras obrigatórias para o vestibular da Fuvest 2026.
“Ajoelhado diante dos cravos, a realidade das coisas inundava-o com o proveito
de estar vivo quando na vila o julgavam morto” – trecho do livro ‘A Visão das
Plantas’.
A seguir, saiba mais sobre a obra.
Quem é a autora
Nascida em Luanda, Angola, em 1982, Djaimilia Pereira de Almeida migrou ainda criança com a família para os subúrbios de Lisboa, Portugal, onde cresceu. Escritora com formação acadêmica, realizou os cursos de graduação e mestrado em estudos portugueses na UNL (Universidade Nova de Lisboa) e doutorado em teoria da literatura na ULisboa (Universidade de Lisboa). Ela atua como professora assistente na NYU (Universidade de Nova York).
Sua produção vai de artigos de opinião para jornais e revistas a publicação de livros e peças de não ficção, romances e novelas. Apesar de sua origem estrangeira e de tematizar questões do imigrante angolano em Portugal, Djaimilia é costumeiramente identificada como uma escritora portuguesa.
“É uma autora da literatura portuguesa contemporânea, tanto pela sua formação, pelo seu local de produção, mas também pelo diálogo com a própria literatura de Portugal. Mas, de fato, Djaimilia despontou a partir de questões relacionadas à sua biografia e, consequentemente, à questão da migração”, explica Roberta Guimarães Franco, professora do Programa
Entre as premiações que obteve estão o Literário Fundação Inês de Castro, em 2018, o Literário Fundação Eça de Queiroz e o Oceanos, ambos em 2019.
O que é importante saber sobre o livro
Colonialismo
O tráfico de escravos e a violência colonial são o pano de fundo de “A Visão das Plantas”, obra lançada em 2019. A narrativa apresenta Celestino, um ex-capitão de um navio negreiro –ponto central à temática do romance– que, aposentado, regressa para a sua terra natal e passa a morar na abandonada casa de sua família. “Não é uma narrativa que retoma uma história do século 19, sobre a escravidão, mas há um diálogo com a história de Portugal”, destaca Franco.
Intertextualidade
Djaimilia estabelece um intertexto com o livro “Os Pescadores”, de 1923, do escritor português Raul Brandão, em que a figura do capitão aparece brevemente. Trata-se de um personagem que começou a vida como pirata e acabou como um santo. A autora, então, vai desenvolver uma narrativa para esse personagem. “Ela cria um texto próprio a partir de um personagem existente, embora o Celestino não termine propriamente como um santo”, explica.
O jardim como personagem
De modo geral, as plantas respondem ao ambiente e pedem cuidado e paciência. Na obra de Djaimilia, isso aparece a partir do momento que Celestino decide se dedicar ao jardim que, então, como testemunha silenciosa, se torna vistoso. “Existe esse contraponto: ao mesmo tempo que são mãos que mataram no passado, agora quase se fundem ao jardim. Não leva a uma redenção do Celestino, mas a um entendimento consigo próprio”, ressalta Franco. As plantas também chegam a desvelar um lado contraditório do personagem padre Alfredo. Empenhado em aconselhar Celestino a ir à missa e se confessar, se vê tomado pelo incômodo de não ter o mesmo talento para cultivar um jardim.
Em publicação de Mônica Genelhu Fagundes, professora de literatura portuguesa da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), “o símbolo do paraíso [o jardim] se desfigura, atravessado pelo histórico, pela história, revelando o que dela ficara reprimido”.
A solidão habitada
Celestino interage com uma menina holandesa e uma senhora negra, que surgem como manifestações de suas memórias ou delírios. A menina holandesa foi deixada por ele na selva para morrer, presa a um tronco com os olhos vendados. Já a senhora negra foi um dos corpos mortos lançados em alto-mar após um episódio que, para conter uma revolta, Celestino asfixiou os escravos, jogando cal no porão do navio. Essas personagens que habitam a solidão do ex-capitão, não apenas interagem com ele, como também interagem entre si –certa vez, a senhora aparece ajeitando os cabelos da menina. “Elas não são uma assombração, mas uma companhia. Nesse sentido, abre espaço para uma leitura sobre o capitão. Talvez ele tenha se apaziguado com o seu passado, sem culpa”, acrescenta Franco.
SÉRIE ABORDA OS LIVROS DO VESTIBULAR 2026 DA FUVEST
Este é o último de uma série de nove textos que abordam a lista de livros do vestibular da USP deste ano. Pela primeira vez, a Fuvest selecionou obras só de escritoras mulheres. A cada semana, uma obra foi tema de reportagem que explica a trajetória da autora e os principais pontos que podem ser cobrados na prova.
Os textos fazem parte do projeto Folha Estudantes, criado para ajudar jovens na preparação para o Enem e outros vestibulares. A Folha oferece assinatura gratuita para estudantes que se inscreverem no Enem; clique aqui para saber mais.















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