São três décadas escutando pacientes falarem sobre suas famílias, anos de pesquisa sobre o tema e um podcast (Isso Não é Uma Sessão de Análise) que começa com a questão “qual é sua referência de família?”. Dessa massa de testemunhos e estudos, uma repetição é notória: o pai ausente. Não se trata apenas de uma ausência física, do pai que aborta os filhos quando sai para “comprar um cigarrinho” e nunca mais volta.
Tem ainda a figura do pai-monarca, que até fica na casa, mas na condição de quem é servido, só comparecendo para dar bronca e exigir obediência. Pode até se ocupar dos filhos, mas quando estiver a fim, como capricho. O trabalho dele fora do ambiente doméstico funciona na bandeira-2, valendo infinitamente mais do que o da esposa. Quando ele chega, já estão todos lhe devendo algo.
Alguns andares abaixo, tem o pai-carrasco, que só vem para tocar o terror e, na outra ponta, o pai-recreativo, que coleciona os momentos lúdicos e leves, deixando a impossível tarefa de educar para a chata da mãe.
Todo o modelo, do qual partem essas figuras mais ou menos merecedoras do título de pai, baseia-se num formato no qual o progenitor deixa a prole aos cuidados da mãe, sai em busca de aventuras viris e volta na velhice apenas para exigir seu quinhão de cuidados, verdadeira aposentadoria do herói. Desse modelo básico de homem-de-família depreendem-se os outros, mais ou menos distantes dele. Intimidade, aquela que só se conquista no dia a dia da criação, não está no cardápio desses homens.
Pensar num pai presente, num lugar igualitário, é dar-lhe a devida importância como companheiro, como pai e como cidadão. Primeiro, como alguém que reconhece seu valor e sua responsabilidade na tarefa reprodutiva, mesmo quando não se trata de reprodução biológica, mas de adoção. Segundo, como alguém que estabelece uma relação com a criança que afeta positivamente seu desenvolvimento, como várias pesquisas comprovam. Além disso, sua atitude tem impacto de grande amplitude sobre o lugar das mulheres na sociedade. Afeta o futuro profissional e acadêmico delas e a própria maternidade.
É penoso cuidar de uma criança sem o devido apoio, o que torna as mães muito mais frustradas e infelizes exercendo a função do que o pai que vê as tarefas de cuidado como esporádicas e pitorescas. Escovar dentes três vezes por dia, sete dias por semana, é uma tarefa extenuante quando comparada com uma escovação eventual. Junte-se a isso a necessidade que a criança sente de agradar ao pai, cujo vínculo parece menos garantido, e teremos uma mulher exausta e amargurada pela falta de reconhecimento de seus esforços.
Enfim, o pai bacana existe, mas é a exceção que confirma a regra. Sou da opinião de que ele deve ser valorizado, por mais que possa parecer injusto para as mulheres que estão na lida desde sempre. Afinal, o cara está na contramão do conchavo masculino de não fazer nada para não comprometer os demais pais que nada fazem. Se não houver reconhecimento do lado de cá, fica perde-perde.
Pais que entenderam a importância de seu papel e atuam em conformidade podem ser encontrados. Basta ver a lista dos que estão lutando pela licença-paternidade de 30 dias (PL 3.773/2023). Ainda que um mês pareça pífio perto de tudo o que as crianças precisam quando chegam, tem sido uma luta de foice conquistá-lo. Contra eles estão uma multidão de empresas, governantes e homens que ainda não entenderam para que serve um pai.
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