Nos últimos anos, a redação do Enem passou a mirar grupos que quase nunca aparecem no debate público. A prova virou um termômetro social: expõe desigualdades e força o estudante a responder como tornar o país mais justo. Cursinhos e escolas enxergam um padrão. Para 2025, o eixo direitos humanos, inclusão e diversidade segue entre as apostas mais fortes.
Sousa Nunes, professor do colégio Farias Brito, afirma que o Enem tem dado voz a grupos historicamente ignorados —pessoas com deficiência, povos tradicionais, mulheres, população negra, idosos e comunidades LGBTQIA+. A tendência aparece nos temas recentes:
Temas de redação do Enem nos últimos anos
| Ano | Tema |
|---|---|
| 2024 | Desafios para a valorização da herança africana no Brasil |
| 2023 | Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil |
| 2022 | Desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil |
| 2021 | Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil |
| 2020 (impresso) | O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira |
| 2020 (digital) | O desafio de reduzir as desigualdades entre as regiões do Brasil |
Os temas conectam três problemas recorrentes: violência, vulnerabilidade e ausência de políticas públicas. A redação exige que o estudante identifique os grupos afetados e proponha soluções que respeitem a Constituição.
Por que o eixo é importante
O Brasil vive uma disputa permanente sobre quem tem seus direitos garantidos. De um lado, leis que prometem igualdade; de outro, pessoas que seguem invisíveis para o Estado e para a sociedade.
Ao mesmo tempo, cresce o discurso de ódio, sobretudo no ambiente digital. No X (antigo Twitter), o volume de ataques aumentou 50% após a compra da plataforma por Elon Musk. Recentemente, uma nova regra da Meta passou a permitir que usuários associem o público LGBTQIA+ a doenças mentais, sob a justificativa de “debate político”.
Para Gabrielle Cavalin, do Poliedro Educação, a neurodiversidade é uma aposta forte para este ano. A pauta cresceu com a pressão de famílias e escolas. “Falta diagnóstico e falta preparo docente. A inclusão ainda encontra barreiras no acesso à educação, à saúde e ao mercado de trabalho”, afirma.
O tema ganhou força após o Censo 2022 registrar mais de 2,4 milhões de brasileiros com diagnóstico de TEA (Transtorno do Espectro Autista), o equivalente a 1,2% da população.
Além da educação, o eixo saúde também surge no debate. Relatório de pesquisadores da UFRJ e da Rede de Pesquisas em Saúde Mental de Crianças e Adolescentes aponta que a questão influencia políticas públicas ao mesmo tempo em que movimenta um mercado de serviços.
Outro levantamento, realizado pelo Insper, analisou sentenças do Tribunal de Justiça de São Paulo. Em 92% das ações contra planos de saúde que pedem tratamentos para crianças e adolescentes com TEA, o beneficiário venceu. Os pedidos com maior taxa de sucesso envolvem fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicologia, psicoterapia e equoterapia, todos acima de 94%.
Para André Barbosa, professor de redação do Oficina do Estudante, um tema ligado a pessoas com deficiência pode aparecer. Ele lembra o Enem de 2017, que trouxe o tema “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”.
“A acessibilidade é um tema constantemente em pauta. Embora existam políticas públicas, a vida cotidiana do país é marcada por barreiras físicas e imateriais que dificultam a efetiva inclusão de pessoas com deficiência nos mais diversos espaços”, afirma.
Como o tema pode aparecer na redação
O Inep costuma apresentar um problema associado a um grupo vulnerável. De acordo com os professores ouvidos pela Folha, a instituição pode explorar a distância entre a legislação existente e a realidade da implementação.
Apostas de temas por cursinhos e escolas
| Possível tema | Cursinho/Escola |
|---|---|
| A inclusão social de pessoas neurodivergentes no Brasil | Poliedro |
| Desafios para o combate ao capacitismo contra pessoas com deficiência na sociedade brasileira | Objetivo |
| Os desafios da inclusão de pessoas com deficiência no sistema educacional brasileiro | Oficina do Estudante |
| Enfrentando a homofobia: caminhos para uma sociedade mais inclusiva | Anglo |
| Desafios na valorização das crenças e da diversidade religiosa no Brasil | Anglo |
| Etarismo e o preconceito contra idosos no mercado de trabalho | Objetivo |
Como estudar o tema
O estudante deve conhecer a base legal que orienta as políticas de inclusão, como a Constituição de 1988 e os tratados internacionais de direitos humanos, além de compreender as principais políticas públicas ligadas ao tema.
De acordo com os professores ouvidos pela Folha, mais importante do que decorar modelos de redação é saber interpretar o recorte proposto e relacioná-lo ao contexto social e jurídico do país.
Conceitos-chave
- Inclusão social – Garantia de acesso igualitário à educação, saúde, trabalho e participação pública para todos os grupos.
- Diversidade – Reconhecimento e valorização das diferenças étnicas, culturais, de gênero, orientação sexual, idade e capacidade.
- Capacitismo – Discriminação contra pessoas com deficiência, baseada na ideia de que corpos e mentes fora do padrão são inferiores.
- Neurodiversidade – Compreensão de que variações neurológicas, como o autismo ou o TDAH, fazem parte da pluralidade humana.
- Direitos humanos – Conjunto de princípios que asseguram dignidade, liberdade e igualdade a todos, fundamento central da Constituição e da redação do Enem.
Dicas de reportagens e artigos da Folha para estudar
Leituras e referências culturais sugeridas
- Constituição Federal de 1988 – Conhecida como “Constituição Cidadã”, é o principal marco jurídico dos direitos humanos no Brasil. Garante a dignidade da pessoa humana (Art. 1º), a igualdade (Art. 5º) e a liberdade de expressão — que não é absoluta, pois veda o anonimato e deve respeitar outros direitos fundamentais.
- Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência – É a base legal do combate ao capacitismo. Define direitos de acessibilidade, educação, saúde e trabalho, e fundamenta debates sobre inclusão e políticas públicas de equidade.
- ‘Hoje Eu Quero Voltar Sozinho’ – Filme de Daniel Ribeiro conta a história de um adolescente cego que se apaixona por um colega de sala. Mostra o processo de descoberta e aceitação entre os dois garotos.
- “O Curumim Wirá e os Encantados” (Márcia Wayna Kambeba) – Livro infantil da escritora indígena e ativista amazônida que apresenta um menino indígena autista. A narrativa conecta duas pautas de inclusão: a valorização dos povos tradicionais e a visibilidade da neurodiversidade.
O que evitar
De acordo com professores ouvidos pela Folha, o candidato precisa compreender que o Enem não cobra apenas a descrição de desigualdades, mas a capacidade de analisá-las e propor soluções viáveis.
Um erro recorrente nesse eixo é propor intervenções fora da realidade. O aluno deve evitar sugerir novas leis para áreas já regulamentadas, como a inclusão de pessoas com deficiência, amparada pela Lei Brasileira de Inclusão. O foco deve estar em ações exequíveis, que detalhem agentes e resultados possíveis.
Também é recomendável evitar dados inventados e opiniões que neguem a existência de problemas sociais. O Enem valoriza textos autorais, fundamentados e empáticos, que reconheçam a diversidade e os direitos humanos como pilares da construção de um país mais justo.
Este é o sétimo de uma série de textos que abordam as principais apostas para o tema da redação do Enem 2025. Elas foram reunidas em oito eixos temáticos, serão detalhados com dicas de educadores sobre o motivo da escolha, como se preparar, possíveis abordagens e erros a evitar durante o estudo e a realização da redação.
Os textos fazem parte do projeto Folha Estudantes, criado para ajudar jovens na preparação para o Enem e outros vestibulares. A Folha oferece assinatura gratuita para estudantes que se inscreverem no Enem; clique aqui para saber mais.
















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