Ler é um ato solitário e trabalhoso. Temos que preencher com imagens mentais aquilo que a escrita só sugere e cuja descrição, por mais minuciosa que seja, não chega a exaurir. Nem as eventuais ilustrações nos livram de interpretações e da tendência de criar movimento e sequência naquilo que se apresenta estático. Na literatura, criaturas incríveis e situações inusitadas nos fazem companhia, multiplicando a nossa vida, que, afinal, é apenas uma entre outras.
Esse pequeno circuito que se estabelece entre leitor, obra e autor é o oposto das redes sociais, que levam a um curto-circuito, o conhecido “brain rot”, ou cérebro apodrecido. Numa sociedade que prega o acúmulo de bens para que nos sintamos alguém, dá para entender a busca por estímulos que têm como função alienar; não queremos saber nada sobre o que nos move.
Os livros, por sua vez, dão trabalho, exigem atenção, reflexão, causam estranhamento, carregam ambiguidades, estão mais para um “brain bloom”. Como todo desabrochar, requerem tempo e cultivo, o oposto da enxurrada de dopamina que se experimenta na internet caça-níqueis.
Além do fato de que o mau uso das mídias derrete nossas capacidades cognitivas (produzimos a primeira geração com QI mais baixo do que a anterior) e nossa subjetividade, há a questão do isolamento. A leitura, embora produza espessura subjetiva, cultivando o mundo interno, é atividade na qual também cada um fica no seu quadrado.
Mas eis que se renovam as apostas nos clubes de leitura que vêm pipocando por todo o país. Prática antiga de ler e compartilhar a experiência com outras mulheres. Eu disse mulheres? Pois é.
Segundo pesquisa da Câmara Brasileira do Livro e da Nielsen BookData, 62% das pessoas que compraram dez ou mais livros em 2025 são mulheres. Os clubes do livro, majoritariamente femininos, vêm na contramão do encolhimento do mercado editorial, sendo um fenômeno que merece atenção.
Estamos diante de uma equação na qual a perda da capacidade de se afastar de tudo e de se concentrar nos livros acontece ao mesmo tempo em que crescem exponencialmente os clubes de leitura.
O exercício de ler, cada vez mais difícil diante dos desafios psíquicos atuais, encontra nesses grupos motivação para ser levado a cabo. Mas não só: é ao próprio espaço de convivência, empobrecido pela lógica individualista e competitiva que as redes fomentam, que o clube responde aqui.
Una-se a isso a questão de gênero, que leva as mulheres à solidão e à insegurança na utilização do espaço público, e veremos o ganha-ganha que os clubes oferecem. Quem frequenta esses espaços testemunha um dos poucos lugares nos quais ainda se pode ter uma experiência estética compartilhada, trocar ideias, fazer amizade, enfim, cultivar uma atividade social e não gastar uma fortuna (eles custam, em média, entre R$ 45 e R$ 60 por mês). Atividade que congrega diferentes gerações: não raro se veem mães e filhas no mesmo grupo.
Nave-mãe de leitores e candidatos a escritores que desejam ver e ser vistos, as feiras literárias, as bienais e os lançamentos de livros vêm preencher o calendário turístico, artístico e social do qual ficamos tão carentes desde a entrada na virtualidade.
Trata-se de antídotos para a solidão e para a constante ameaça de embrutecimento.
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