Quando decidiu voltar a estudar para concluir o ensino médio, o taxista Elifas Levi Rodrigues, 77, sabia que aquele seria o primeiro passo para alcançar um sonho de muito tempo: cursar psicologia para aprender como cuidar da esposa que há mais de 20 anos luta contra a depressão.
Neste domingo (9), ele dá mais um passo em direção a esse objetivo e vai prestar o Enem, principal porta de entrada para o ensino superior do Brasil. Na preparação, ele contou com a ajuda da neta Laura Rodrigues Oliveira, de 17 anos, que também vai fazer o exame.
“Eu e ela temos uma pequena diferença, são só 60 anos que nos separam”, brinca Rodrigues.
Assim como muitos de sua geração, Rodrigues não teve a oportunidade de concluir os estudos quando era adolescente. Ele terminou o ginásio (equivalente aos anos finais do ensino fundamental de hoje) e foi fazer um curso técnico para começar a trabalhar.
“Não existia escola técnica como no modelo de hoje, que você sai com o diploma de ensino médio e a formação para trabalhar. Era um ou outro. Como eu precisava trabalhar, fui fazer a formação técnica.”
Na época, Rodrigues morava em Lages (SC), onde conheceu a esposa Talma, com quem está junto há 55 anos e teve três filhos. “Ela cursava o magistério e nós queríamos nos casar. Não dava para os dois estudarem. Então, eu fui trabalhar e ela terminou os estudos para poder ser professora.”
Com o curso técnico de mecânico industrial, ele foi aprovado em um concurso da Petrobras, em Curitiba, onde se aposentou aos 46 anos. Rodrigues conta que aguentou apenas dois dias sem trabalhar, no terceiro já estava dirigindo um táxi —profissão que exerce há 31 anos.
“Eu gosto muito do meu trabalho, de conversar com as pessoas e circular pela cidade. Mas sempre tive o sonho de fazer uma faculdade.”
Por isso, no ano passado, Rodrigues se matriculou para cursar o ensino médio em uma turma de EJA (Educação de Jovens e Adultos). Mesmo trabalhando durante todo o dia, em um ano e meio ele conseguiu concluir as três séries da etapa.
Na formatura da turma, em junho desse ano, ele foi homenageado como aluno destaque por ter tido um dos melhores desempenhos.
“Eu trabalho das 6h às 17h com o táxi e estudava no período da noite. Foi deslumbrante voltar a estudar. Eu sempre gostei de ler e coloco audiobooks para escutar enquanto trabalho, mas sentar em uma carteira, com um professor ensinando foi muito mais satisfatório”, conta.
Ele conta que os professores o ajudaram a se preparar para o Enem, mas, nesse segundo semestre após a formatura, contou com a ajuda da neta Laura, que está no 3º ano do ensino médio.
“Estudo em uma escola onde fazemos muitas redações e simulados do Enem. Eu acabo compartilhando esses materiais com o meu avô, mas ele também sempre me manda vídeos de aulas no Youtube. A gente tem trocado bastante figurinha”, conta a estudante.
Pelos muitos anos trabalhando como mecânico, Rodrigues tem grande facilidade com matemática e física. Também gosta muito das disciplinas de humanas, mas diz ter um pouco de dificuldade em inglês.
“Meu avô é craque em matemática e história, adora ler. Eu estou até preocupada e cheguei a pedir pra ele pegar leve comigo e não tirar uma nota mais alta que a minha no Enem”, brincou Laura.
Rodrigues quer garantir uma boa nota no exame para conseguir cursar psicologia, mas diz que precisa ser aprovado em curso noturno já que vai continuar trabalhando como taxista.
“Não dá para parar de trabalhar ainda, mas sei que vou dar um jeito de conciliar. Eu decidi fazer psicologia, porque minha esposa tem depressão há muitos anos. Como vou ajudá-la se não conheço a doença que ela tem? Já li muitos livros, conversei com médicos, mas eu mesmo quero estudar para ajudá-la”, conta.
Segundo o Inep, órgão do Ministério da Educação responsável pela aplicação do Enem, das mais de 4,8 milhões de inscrições confirmadas para o exame, cerca de 17 mil são de pessoas com mais de 60 anos —apenas 0,3% do total.
Rodrigues pediu à Folha para deixar um recado: “Queria muito que mais pessoas voltassem a estudar, sejam eles jovens ou velhos. Sei que muitas vezes parece impossível, mas a gente supera todas as barreiras e, no fim, é muito bom aprender.”
















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