Lar Educação Fronteiras ou pontes, o que queremos? – 12/08/2025 – Marcelo Viana
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Fronteiras ou pontes, o que queremos? – 12/08/2025 – Marcelo Viana

Em algum momento antes de completar seus 30 anos, o monge italiano Gerardo de Cremona (1114–1187) viaja para Toledo, na Espanha, onde vai realizar seu trabalho mais importante como tradutor e copista de obras científicas, e virá a falecer.

Toledo, a velha capital do reino visigótico na Península Ibérica, foi um renomado centro de conhecimento sob o domínio do califado islâmico de Al Andalus. Transformada em capital do reino cristão de Leão e Castela após a conquista pelo rei Afonso 6, em 1085, permanece um polo de atração para estudiosos de toda a Europa.

Um milênio antes, longe dali, o matemático e astrônomo grego Ptolomeu (século 2º) escreveu a obra sobre astronomia que consolidou o modelo geocêntrico do Universo, em que a Terra ocupa o centro. Intitulado originalmente “Tratado matemático”, o livro acabaria sendo conhecido no Ocidente como “Almagesto”, já veremos por quê.

Famoso em toda a Europa, o texto original grego de Ptolomeu estava, no entanto, fora do alcance da maioria dos acadêmicos da época, que não dominavam a língua. Gerardo quer torná-lo acessível a todos, por meio da tradução para o latim. É sobretudo por isso que se muda para Toledo, onde espera encontrar essa e outras obras antigas na versão em árabe. Por quê?

Duzentos anos antes, a milhares de quilômetros dali, Abu Nasr al-Farabi (870–950) viaja para ocidente ao longo do que seria depois chamado as Rotas da Seda. Não sabemos direito de onde vem, mas sabemos que o seu destino é Bagdá, a capital do poderoso califado Abássida, e que é animado pelo mesmo objetivo que Gerardo: a busca pelo conhecimento.

Inaugurada em 762 pelo califa al-Mansur (714–775), fundador da dinastia reinante, Bagdá é uma cidade jovem, mas já constitui o principal centro de pensamento do mundo islâmico. Sob o califa Harun al-Rashid (766–809), imortalizado em “As mil e uma noites”, ela vai alcançar uma reputação quase mítica, irradiando o brilho da civilização islâmica em seu apogeu.

Al-Farabi contribui para essa irradiação, traduzindo energicamente para o árabe o tesouro de obras de pensadores tanto do Ocidente quanto do Oriente reunidas em Bagdá. O sucesso pode ser avaliado pelo fato de o seu sobrenome ter se tornado sinônimo de livro na Europa durante séculos. Na nossa língua, permanece nos vocábulos “alfarrabista” e “alfarrábio”, que é como os sebos são chamados em Portugal.

É a sua tradução do tratado de Ptolomeu para o árabe que Gerardo de Cremona vai encontrar em Toledo e verter para o latim. Na época de al-Farabi, o título em grego já evoluiu para “O maior dos tratados”. Ele transcreve o grego “megiste” (o maior) para o árabe “al-magisti”, que Gerardo latiniza para “almagestum”, e é assim que o livro adquire seu título atual. O modelo geocêntrico nele contido será o padrão científico do Ocidente até o século 16, quando dará lugar ao sistema heliocêntrico de Nicolau Copérnico (1473–1543).

É uma história de três pessoas cuja paixão pelo conhecimento cruzou tempos e espaços, unindo línguas e culturas diversas. Ela parece ainda mais relevante quando, como hoje, o poder se empenha em enfatizar as fronteiras que nos separam, em detrimento das pontes que nos unem.


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