Gerardo nasceu em 1114 na cidade italiana de Cremona e viria a morrer em Toledo, capital do reino visigótico na Península Ibérica, em 1187. Boa parte do que acreditamos saber sobre ele chegou até nós na forma de anedotas envoltas em ficção romantizada, que precisam ser lidas com prudência.
O que é certo é que Gerardo de Cremona foi responsável pela tradução do árabe para o latim de mais de 70 obras de matemática, astronomia, filosofia e medicina até então essencialmente inacessíveis para a Europa Ocidental. Segundo uma das anedotas, insatisfeito com os ensinamentos de seus mestres italianos, ele teria viajado para Toledo por volta de 1144, com um objetivo bem definido: encontrar o “Almagesto”, como ficou conhecido o tratado do astrônomo grego Ptolomeu que consolidou o modelo geocêntrico do Universo, com a Terra no centro.
Do período em que prosperara como capital provincial do califado de al-Andalus, a cidade de Toledo preservara um rico acervo bibliográfico. Entre essas obras estava realmente a tradução do “Almagesto” para o árabe realizada pelo grande al-Farabi 200 anos antes. O problema é que Gerardo não sabia árabe! Seus primeiros anos na capital visigótica foram dedicados a aprender o idioma.
Outra anedota afirma que chegou a liderar uma “fábrica de traduções”, uma oficina em que, com a ajuda de assistentes moçárabes (cristãos de cultura arabizante), se dedicou à tradução sistemática de livros do árabe para o latim. Entre eles, os “Elementos” de Euclides, o “Canon da Medicina” de Avicena, o “Tratado de Álgebra” de al-Kwarismi e o “Almagesto”.
Não temos como avaliar até que ponto seu trabalho de tradução foi individual ou realmente um empreendimento coletivo. O que sabemos é que impressionou seus contemporâneos de tal forma que um biógrafo sugeriu o seguinte epitáfio: “Aqui jaz Gerardo de Cremona, que traduziu muitos livros do árabe para o latim. Que ele possa alcançar a paz entre os abençoados”. Outro biógrafo elogiou o bom gosto de suas traduções: “Caminhando pelos verdes pastos ele não colheu todas as flores, apenas as mais bonitas para entrançá-las em uma coroa”.
Muitos dos textos que traduziu do árabe tinham sido escritos em grego originalmente e eram bem conhecidos no Império Bizantino. Mas o Grande Cisma entre as igrejas católica e ortodoxa praticamente congelara as interações entre as comunidades cristãs do ocidente e do oriente. A Europa era um continente fechado e a preservação do legado intelectual da Grécia clássica precisou se beneficiar da livre circulação de pessoas e ideias através do mundo islâmico, que então se estendia do Afeganistão a Portugal.
Uma exceção interessante é que em 1158 o monge siciliano Henricus Astippus (1105-1162) visitou Constantinopla e ganhou do imperador bizantino Manuel 1º um exemplar do “Almagesto” em grego que logo fez traduzir diretamente para o latim. Apesar de ter precedido em 15 anos a tradução do árabe que Gerardo publicou em 1175, nunca alcançou o mesmo sucesso. O texto de Gerardo contribuiu decisivamente para a disseminação das ideias de Ptolomeu na Europa Ocidental, sendo inclusive a primeira versão do “Almagesto” a ser impressa, em 1515, quase 350 anos depois!
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