É tipo marcação de gado, só que invisível e sem dor.
A polícia de Cheshire, no noroeste da Inglaterra, vai começar a usar um spray transparente em torcedores de futebol para combater brigas em estádios e pubs.
Ele “marca” roupas e pele com uma solução de DNA que é codificada e dura meses. Assim, baderneiros podem ser rastreados depois. Dá para ver o líquido através de luz ultravioleta e ele pode ser usado como evidência forense. Comerciantes têm usado o spray em quem entra nas lojas para roubar. A estreia no esporte será nas partidas da 3ª Divisão neste fim de semana.
“Hooliganismo”, dizem as manchetes.
O tema não é novidade para os britânicos. O futebol por aqui passou por uma gigantesca transformação desde os anos 1980, quando embates entre polícia e hooligans dominavam as páginas esportivas.
Hoje, quem comete ofensa ou crime em um estádio é identificado e pode até ser banido para sempre. Ir a uma partida é programa seguro e civilizado: o torcedor chega e sai de transporte público, tem assento marcado, praticamente todo mundo respeita as regras. Mesmo assim, estatísticas recentes mostram aumento de 18% em incidentes em jogos na Inglaterra e no País de Gales.
Ler uma notícia como essa do spray me faz pensar quanto dinheiro e tempo são investidos em quem sai de casa disposto a arrumar confusão (não era esse o termo que queria usar, mas o decoro não me permite outro) em uma partida de futebol.
O que faz alguém, voluntariamente, estragar o próprio dia e o dos outros, o patrimônio público às vezes, justamente quando vai assistir ao time do coração?
Parece aquela pergunta de um milhão de dólares para a qual, há séculos, filósofos e pensadores tentam achar resposta: o ser humano é, por natureza, bom ou mau?
Thomas Hobbes achava que as pessoas nascem más e precisam de regras que controlem seus instintos. O iluminista Jean Jacques Rousseau defendia que o ser humano possui bondade inata, e se manteria assim não fossem a ambição e a desigualdade do sistema de classes impostos pela sociedade. Não à toa, alguns estudos na área hoje em dia são feitos em bebês, perfeitas telas em branco.
Não tenho opinião formada. E Brasil e Reino Unido têm, cada um, suas peculiaridades. A sociedade britânica é civilizada também porque consegue enxergar e vivenciar as consequências positivas disso; veem, na prática, que ordem e organização melhoram a vida das pessoas. Há dinheiro e vontade de investir em tecnologias que melhorem experiência e segurança do espectador de esporte.
Ao mesmo tempo, acho que tem gente que não faz coisa errada por medo —sabe que vai ser vista por uma câmera de segurança, e a lei, cumprida.
No Brasil também entram questões sociais, culturais, econômicas… Acho engraçado o fato de pedirem o número do meu CPF até quando vou comprar uma bala na farmácia (não só pelo desconto) e a minha identidade para quase tudo. Parece uma desconfiança constante.
Se Hobbes, Rousseau, Aristóteles, Maquiavel, Freud não chegaram a um consenso, imagino o desafio de quem pesquisa o tema no mundo de hoje. Enquanto isso, a experiência de assistir ao esporte ao vivo, que deveria ser divertida e para todos, dá lugar ao medo de ir ao estádio.
E vamos recorrendo a sprays invisíveis.
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