Lar Política O que o caso Felca ensina sobre acelerar pautas urgentes – 15/08/2025 – Deborah Bizarria
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O que o caso Felca ensina sobre acelerar pautas urgentes – 15/08/2025 – Deborah Bizarria

O vídeo do influenciador Felca sobre a adultização de crianças ultrapassou 35 milhões de visualizações. Poucos dias depois, a SaferNet registrou 1.651 denúncias de pornografia infantil, um aumento de 114% em relação ao mesmo período do ano anterior.

A repercussão foi suficiente para que o tema chegasse rapidamente a comissões do Congresso e com a apresentação de 32 projetos de lei. Para parte do público, houve surpresa não com a gravidade do problema, mas com o fato de a mobilização ter sido iniciada por um influenciador, e não por uma instituição tradicional. Esse estranhamento revela uma visão limitada sobre como se formam as prioridades no setor público, afinal, não é a gravidade do tema que necessariamente pauta a ação das autoridades.

A disputa por atenção é dura. A reforma tributária é um exemplo: o Brasil manteve por décadas um dos sistemas mais complexos do mundo e levou cerca de 20 anos para aprovar uma mudança ampla. A proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital também é prioritária, por envolver riscos de exploração sexual, exposição a conteúdos nocivos e impactos profundos sobre a saúde mental. Ainda assim, a pauta nem sempre consegue se manter entre as prioridades de governos e legisladores.

A literatura sobre formação de agenda mostra que momentos de atenção repentina funcionam como janelas raras de oportunidade. O estudo conduzido por Koskenniemi e colaboradores na Finlândia mostra que atores externos ao poder formal podem ampliar a visibilidade de um tema até que se torne impossível de ignorar, criando um ponto de pressão que obriga a formulação de respostas. O efeito, no entanto, depende de existir uma ponte entre o momento de mobilização e propostas capazes de serem implementadas.

Essa relação entre timing e capacidade de resposta também é evidente na experiência nos EUA. A pesquisa de Claire Shaw sobre o movimento #MeToo no Missouri e no Texas comparou dois contextos semelhantes em atenção pública, mas diferentes na preparação legislativa. No primeiro, onde já havia um projeto de lei estruturado, mudanças significativas em favor de sobreviventes de agressão sexual foram aprovadas rapidamente. No segundo, sem coordenação e sem texto pronto, as mudanças foram pontuais e limitadas. O paralelo é claro: quando a estrutura está pronta, o momento é aproveitado; quando não está, a energia se dissipa.

No Brasil, o debate sobre a proteção digital de crianças e adolescentes também foi moldado por ideias capazes de reorganizar o senso comum. O livro “A Geração Ansiosa”, de Jonathan Haidt, reúne evidências sobre os efeitos da hiperconexão na saúde mental juvenil e estimulou discussões nacionais sobre limites e supervisão no uso de tecnologia. Essas discussões contribuíram para aprovação da Lei nº 15.100/2025, sancionada em janeiro, que proibiu o uso de celulares por estudantes da educação básica em todo o território nacional, com exceções para situações pedagógicas e emergenciais

Casos como o de Felca mostram que mobilizações individuais, picos de atenção digital e ideias transformadoras podem funcionar como gatilhos para inserir temas urgentes na agenda pública. O impacto real ocorre quando esses gatilhos encontram projetos, instituições e redes já articuladas para agir. Sem essa articulação, mesmo momentos de comoção correm o risco de se esvaziar sem deixar uma mudança positiva.


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