A dúvida é daquelas que costumam aparecer na voz das crianças. Sua candura não significa que os adultos, em sua maioria, estejam cansados de saber a resposta. Significa apenas que eles desistiram de se maravilhar com miudezas como esta: por que o cê-cedilha não consta do alfabeto?
A resposta é que o cê com aquela cobrinha embaixo, também chamado de cê cedilhado, não é uma letra e sim uma letra acompanhada de um sinal diacrítico, marca gráfica que altera sua pronúncia.
Em outras palavras, a razão que torna o “ç” ausente do abecedário – embora seja muito mais frequente em português do que o “k”, o “w” e o “y”, que lá estão – é a mesma que exclui o “ã”.
Será que isso esgota a magia do olhar infantil? Não necessariamente. A história da cedilha tem riquezas que fazem dela o mais romântico dos sinais diacríticos. Mas vamos com calma.
No português esses sinais são, além da cedilha, os acentos gráficos – circunflexo, agudo e grave – e o til. Até alguns anos atrás, no caso da língua brasileira, fazia parte do time o trema, que merece uma breve digressão.
O Acordo Ortográfico de 1990, que o Brasil adotou para valer neste século, nos fez seguir Portugal e abrir mão do trema, para revolta de quem até hoje alega – sem fundamento, diga-se – que muita gente anda pronunciando “frequente” como “quente” e “linguiça” como “enguiça”.
Como se vê, cabe aos sinais diacríticos, de modo geral, indicar modulações de pronúncia, apontando sílabas tônicas ou dando a outras um novo perfil fonético.
Fica longe de ser perfeita – para usar um eufemismo – a correspondência entre os fonemas (sons da língua oral) e os rabiscos que usamos para codificá-los na página.
As vogais, por exemplo, são cinco no mundo alfabético (ou eram, até o “y” chegar), mas podem ser articuladas como 12 fonemas vocálicos. Muitas vezes essas modulações se dão sem o auxílio das plaquinhas dos sinais diacríticos, mas em outras recorremos a eles para evitar confusão.
À cedilha, como se sabe, cabe transformar a louca em louça – ou, para sermos técnicos, indicar os casos em que a letra cê não tem, antes de “a”, “e” e “u”, som de /k/, mas de sibilante alveolar surda.
A cedilha foi inventada no espanhol, mas veio a desaparecer da língua de Carlos Alcaraz. Foi substituída pela última letra do nome do jovem tenista, o que faz sentido: tudo indica que tinha começado sua carreira como um zê pequenino metido debaixo do cê.
Hoje o zezinho hispânico (“zedilla”) sobrevive em outras línguas, como o francês. Curiosidade: em português, até por volta do século 15, o cê-cedilha podia vir no início de palavras, como “çapato”.
Se ainda fosse assim, é provável que nosso alfabeto tivesse sido obrigado a engoli-lo – porque isso alteraria, claro, a ordem alfabética.
Vale observar que hoje têm idêntico perfil fonético a “bolsa” e o “bouça” (terreno baldio). Como observa o gramático Said Ali, “qualquer que fosse a causa da primitiva distinção” entre cê-cedilha, “s” e “ss” no português antigo, ela se perdeu. A cedilha é uma relíquia ortográfica.
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