Essa dúvida só não é infantil, como a da semana passada, porque se esconde tão à vista de todos, no entroncamento de etimologia e matemática, que nem as crianças costumam enxergá-la.
Se o mês em que estamos se chama outubro, do latim “october”, por que cargas de dilúvio não ocupa no calendário a posição de número oito, como seu nome indica, e sim a de número dez?
Se formos reparar, isso já valia para o mês passado, setembro (“september”), etimologicamente o de número sete mas no calendário o nono —o mesmo descompasso que acomete novembro (“november”), o décimo primeiro, e dezembro (“december”), o décimo segundo. Os nomes estão dois meses atrasados.
E esse não é ainda o mistério completo. Por que será que, sendo tão regular no período de setembro a dezembro, o desacordo entre nome e posição numérica dos meses não vale também para o restante do calendário?
Para trazer à luz essa razão, só cavando fundo na história. Mais precisamente até o tempo dos calendários romanos primitivos, anteriores a 46 a.C., que a princípio eram lunares e compostos de dez meses.
A nomenclatura já era confusa na época. O ano começava devoto, com “martius” (homenagem ao deus Marte), e seguia com “aprilis” (nome de origem obscura para um mês dedicado a Vênus), “maius” (que lembra a deusa Maia, embora haja quem diga que é consagrado a Apolo) e “junius” (em homenagem a Mercúrio, apesar de o nome sugerir uma participação da deusa Juno ou de Junius Brutus, primeiro cônsul de Roma).
Era a partir de julho que o velho calendário trocava o papo mitológico pela contagem nos dedos: o quinto mês da série foi batizado “quintilis”, o sexto “sextilis”, o sétimo “september” —e assim por diante.
Como se vê, outubro era mesmo o oitavo mês, e tudo ficava casadinho. O único problema é que isso deixava 61 dias de fora do calendário, como se janeiro e fevereiro não existissem. O inverno (europeu, claro) não entrava na conta.
Quando, ainda no século 8º a.C., “januarius” e “februarius” vieram completar o time, a coisa ficou confusa por um tempo: às vezes os novos meses apareciam no início da série, às vezes fechavam o ciclo.
De todo modo, foram mantidos a princípio todos os nomes consagrados, tanto os numéricos quanto os mitológicos, ao lado dos recém-chegados janeiro e fevereiro —o primeiro em homenagem ao deus Janus e o segundo, o “mês da expiação”.
Em 46 a.C., a reforma que criou o calendário juliano, batizado em homenagem a Júlio César, fixou janeiro e fevereiro no início do ano e transformou “quintilis” em “julius”. Meio século depois, “sextilis” foi rebatizado “augustus” em homenagem a Augusto, herdeiro e sucessor de JC.
Ninguém parecia preocupado com o fato de que a lógica matemática tinha ido para as cucuias. O que é compreensível. Por quantos anos continuamos a chamar de “das oito” a novela que já começava às 21h?
Nosso calendário, o gregoriano, criado pelo papa Gregório em 1582 e baseado no juliano, manteve todos os nomes dessa colcha de retalhos etimológica.
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