Unidades de saúde em favelas do Rio de Janeiro sofrem com um drama histórico: manter atendimento em meio a tiroteios e confrontos entre policiais e traficantes. Para atender os moradores, a Prefeitura do Rio de Janeiro, a ONG Redes da Maré, a Fiocruz e o Ministério da Saúde lançaram o Saúde Digital, um projeto-piloto com teleconsultas para o Complexo da Maré, na zona norte.
“O dia que está tendo uma operação na Maré, a gente faz a teleconsulta. O paciente não perde o atendimento”, diz a médica Joyce Pereira, que trabalha há três meses na Clínica da Família Diniz Batista dos Santos. Com seis equipes, a unidade atende cerca de 25 mil pessoas nas favelas Parque União e Rubens Vaz, que fazem parte do Complexo da Maré.
Segundo a secretaria, no primeiro semestre deste ano, o Rio teve 439 episódios em que “alguma unidade de Atenção Primária [clínicas da família e centros municipais de saúde] precisou suspender o funcionamento devido à insegurança no território”. De acordo com a plataforma Fogo Cruzado, entre janeiro e julho de 2025, foram registrados 43 tiroteios na Maré.
“Sempre há uma dificuldade de locomoção, pessoas que não conseguem se dirigir a uma unidade. Mas em áreas que a gente tem domínio do tráfico, isso é mais complicado”, diz o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz. “[O tiroteio] Foi um dos principais motivos de escolha [da Maré nesse projeto de teleconsultas], para garantir o atendimento.”
Além da insegurança, há outras barreiras. Para Ingrid Manhães dos Santos, 25, mãe de um bebê de 1 ano e 5 meses, as teleconsultas chegaram em boa hora. Ela começou com o teleatendimento em abril após a colocação do implanon, um chip de controle hormonal e contraceptivo.
A mãe da moradora, paciente oncológica, é atendida remotamente desde janeiro. “Como a doutora viu que ela está bem debilitada, pediu para não levá-la. Meu marido trabalha. É impossível eu sair, porque nunca tem duas pessoas para ficar ou com ele ou com ela. Então não consigo ir sozinha em consulta para mim.”
A consulta online busca dar resultado de exames e inserir o paciente no sistema de regulação de vagas, entre outros procedimentos mais simples. Já quando o paciente está sentido dor, diz a médica Joyce Pereira, é necessário ir à unidade para ser examinado.
Para a cozinheira aposentada Vilma Vieira, 65, o serviço foi importante após a idosa ter um problema em casa. “Tive um vazamento de cano em casa e precisei fazer a teleconsulta para saber o resultado de exames”. Hoje, a moradora também enfrenta dificuldade de andar, por conta de um acidente.
A casa dela fica no segundo andar de uma rua da favela Parque União. Para acessar, ela precisa subir uma escada. A distância até o posto é de aproximadamente 10 minutos. “Apesar de [a clínica] ser perto, a gente tem que atravessar uma passarela, descer uma escada. Se mantiver essa facilidade [a teleconsulta], é bem legal”, diz ela, que mora na Maré há 50 anos.
A iniciativa é pioneira e funciona desde janeiro deste ano. Até julho, foram 1.031 teleatendimentos nas clínicas da família e centros de saúde do conjunto de favelas, que tem pouco mais de 140 mil moradores, com 100% de cobertura no território. A secretaria afirma não ter registro de quais teleatendimentos se deram em razão de insegurança.
“Identificar as barreiras de acesso e ir construindo formas de ampliá-lo é um dos fatores que fazem a gente construir projetos como esse”, diz Carolina Dias, coordenadora do eixo saúde da Redes da Maré.
Entre os desafios de uma consulta remota, está a internet, conta Bruna Mello. “Como agente comunitária de saúde, fazemos essa ponte [entre o morador e a unidade]. Precisamos garantir que esse paciente tenha o aplicativo. Por outro lado, a gente também conta muito com a internet e a energia da comunidade”.
Quem determina a modalidade de consulta é o profissional de saúde. “O paciente já sai da consulta no presencial com agendamento da teleconsulta e a gente consegue dar uma resposta muito mais rápida”, diz a enfermeira América Cremonte.
De acordo com o secretário da saúde, o projeto será ampliado para outras favelas e regiões, com psicólogos e nutricionistas. Ele classifica a iniciativa como de baixo custo e alta eficiência. “É um procedimento muito simples, apenas com uso do computador [na clínica] e um celular [do paciente].”
Segundo Ana Estela Haddad, secretária de Informação e Saúde Digital do Ministério da Saúde, a expansão das ações de telessaúde será com base no sistema integrador das ações de forma nacional, “nas especialidades prioritárias do Agora Tem Especialista”. A pasta vai divulgar os editais de chamamentos para ampliação da oferta de serviços.
Para ter acesso ao teleatendimento, o morador precisa baixar o aplicativo MinhaSaúde.Rio, fazer um cadastro muito simples por meio do CPF e entrar. Assim que logado, a página inicial mostra um serviço integrado com outras ações, como vacinas e onde ser atendido.
O projeto Saúde Pública tem apoio da Umane, associação civil que tem como objetivo auxiliar iniciativas voltadas à promoção da saúde.
















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